De Segunda a Sexta-Feira / Primeiras impressões / Voltar
FEIRA MARIA JOSÉ
Por Carmen Morais
A feira da Rua Maria José, localizada no bairro do Bixiga (Bela Vista), configura nossa trilogia : 03 feiras como sítio de estudo e proposição do projeto.
Na região central da cidade, esta feira com 125 barracas, acontece às sextas-feiras e tem como público moradores do bairro que se alternam entre imigrantes vários, artistas e uma interessante mescla entre ‘jovens de tribos modernas’ e idosos.
Espacialmente, e diferente das outras feiras por nós visitadas, a feira Maria José ocupa apenas metade da largura da rua onde se inscreve. Sua organização espacial se configura tomando o meio da rua em uma extremidade e o limite da calçada em outra. Isto gera um corredor pequeno e estreito entre as barracas e uma circulação singular com uma negociação constante entre os transeuntes e clientes para avançar na extensão desta feira.
Se a ‘ feira’ aqui é um corredor estreito, o espaço que fica entre o meio da rua e a calçada (porção não ocupada pelas barracas ou o ‘fundo da feira’) gera uma margem – ou melhor um espaço marginalizado à feira. Neste espaço [não-lugar para lembrar Marc Augé] fica tudo o que esta de passagem e que não é aproveitado pela ‘feira’: lixo, produtos estragados, empilhamento de caixas, entulhos da rua com restos de comida da feira e os moradores de rua da região que também se localizam aí, na margem da feira – ou seria da cidade?
O que mais ressaltou aos nossos olhos nesta feira foi exatamente este espaço da margem. Do limite entre a feira e vestígios do que é hoje o bairro do Bixiga.
Interessante pensar que o próprio bairro é ele à margem: o bairro do Bixiga com a violenta segmentação causada pela passagem do Minhocão ficou isolado e oficialmente é inexistente. Talvez o que está no espaço desprezado da feira testemunhe do próprio desprezo de um bairro tradicional pela divisão administrativa da cidade, afinal não passa de uma denominação popular para uma parte do distrito da Bela Vista.
Ainda que de forma preliminar, nos parece que, talvez, o que um olhar artístico possa somar ou ter como ponto de partida para este sítio seja repor aquilo que foi subtraído ao Bixiga , ou seja ir ao sentido de repor na cidade fraturada, a contribuição histórica do Bixiga: espaço de convivência e lugar de encontro – integrar componentes que vão da trama urbana à multiplicidade do jogo social.
FEIRA TAGUÁ
Por Thaís Ushirobira
Em dezembro de 2012, fomos a campo em visita à feira que acontece na Rua Taguá, bairro da Liberdade/ SP, aos sábados. É uma feira relativamente pequena, com cerca de 22 barracas.
Com olhar e corpos atentos, mas desprovidas de uma lente específica, deixamos que informações/ sensações/ impressões nos permeassem, um tanto à mercê dos acontecimentos, com o objetivo, justamente, de triar e refinar focos a serem aprofundados em nossa pesquisa.
De fato, as possibilidades se mostraram inúmeras. Cheiros de peixe, de flor, de fruta; cores; empilhamentos de frutas, verduras, legumes, queijos, caixas; disposição das barracas, lonas com listras: elementos que se repetem e são cuidadosamente organizados , configurando uma estética particular que, em livre criar, íamos imaginando transpor para o corpo e movimento.
A freguesia, muito variada. Chineses, japoneses, coreanos, provavelmente moradores e comerciantes do bairro. Pais, mães e crianças comendo pastel.
Chamou-nos a performance dos feirantes, oferecendo frutas, provocando uns aos outros ou aos seus fregueses.
Em outra instância, estar ali fez-nos pensar a relação da feira, enquanto acontecimento efêmero, e a rua que habita, compondo com prédios e casas, em sua maioria comerciais.
Nós, ali, consumindo e com uma câmera fotográfica à mão. A não ser pelo pedido de permissão ao registro, não estabelecemos diálogo nem com feirantes, nem com freguês. Relações a se tecer…
FEIRA CAYOWAA
Por Thaís Ushirobira
A feira da Cayowaa, rua localizada em Perdizes, zona Oeste de SP, bairro de classe média alta, acontece às quartas-feiras. É uma feira grande: a organização das barracas, por ser uma rua larga, forma duas passagens margeadas por produtos, adentrando ainda, duas transversais.
Atrás das barracas, casas residenciais, fechadas, aparentemente com pouco diálogo com o evento semanal.
Barracas, produtos, cheiros, elementos que se repetem de uma feira para outra. As performances dos feirantes, contudo, mais contida. A freguesia, à hora em que realizamos a visita, por volta das 10h30, era composta por idosos, domésticas e mães com seus filhos pequenos.
Nós, mais uma vez, munidas de câmeras. Nitidamente estrangeiras: segundo o “tapioqueiro”, a chinesa, a coreana e a africana; estrangeiras por não nos encaixarmos como freguesas comuns, tampouco ambulantes ou feirantes. Brincadeiras à parte, como, estranhas , adentraríamos a feira? Qual a relação gostaríamos de criar e como nos apresentarmos aos personagens que compõem este lugar? Foram questões que se fizeram presentes, afora a busca por lentes mais focadas de pesquisa.
A relação com os feirantes/ ambulantes, principalmente -já que não estabelecemos contato direto com os fregueses -, mediada pela câmera fotográfica, trouxe situações curiosas: alguns, posaram, perguntando se ia sair no “facebook”; outro, com carinho e cuidado surpreendentes, segurou dois maxixes na mão, mostrando seu produto; outro, ainda, simplesmente negou o registro.
O contato com as feiras das ruas Taguá e Cayowaa nos colocaram frente a uma questão: como no prazo de um semestre de pesquisa transpor uma feira na outra?
FEIRA DA CONCÓRDIA- RUA SAMPSON
Por Lígia Z. Rizzo
O nome desta rua, situada no bairro do Brás que no passado foi uma região que acolheu muitos imigrantes, teve como origem o nome do proprietário de uma chácara que existiu neste mesmo local, senhor Squire Sampson.
Hoje a Rua Sampson assim como muitas outras ruas desta região abriga um grande número de comércio têxtil e malharias. Às quartas feiras acontece ali uma feira livre de 508 metros lineares contendo 87 barracas.
Em uma primeira visita a essa feira, notamos que seu formato, diferente da maioria que são lineares, configura-se em U ou quadrado aberto. As vias de circulação dentro da feira são largas e a freguesia circulava facilmente de um lado a outro. Muito bem organizada; barracas de produtos não perecíveis mantêm-se separadas das barracas de alimentos perecíveis.
Apesar da organização diferenciada dessa feira, para nós o aspecto mais interessante e que consideramos um fator de real importância, é seu entorno. As lojas de tecidos da Rua Sampson funcionam como uma segunda camada da feira.
Assim como os equipamentos funcionais da feira livre se repetem em padrões de empilhamento (caixas empilhadas umas sobre as outras e alimentos dispostos uns sobre os outros), vimos o mesmo tipo de organização nas lojas situadas logo atrás de cada barraca. Rolos de tecidos diversos são dispostos um ao lado do outro ou então empilhados, possibilitando ver cores, padronagens e texturas diferentes de uma só vez. Algumas vezes é possível ver em uma só calçada: (que seria a parte de trás da barraca da feira e a frente do comércio) baciadas de retalhos de tecidos muito próximas a caixas de alimentos, o que nos faz querer entender e explorar a relação que se estabelece entre os dois tipos de comércio que em um dia da semana dividem um espaço comum.
A clientela da feira também nos chamou atenção. Assim como no passado a região do Brás abrigava imigrantes, notamos que no horário da nossa visita (dez da manhã) a feira recebeu muitos imigrantes bolivianos que adquiriam poucos produtos.
Em meio a tantas barracas, uma roubou nosso olhar, diferente de todas outras, essa possuía um tapete verde que tomava toda a extensão da frente da barraca. Decidimos então conversar com o proprietário e descobrir o porquê do tapete e fomos surpreendidas com a sua história.
O rapaz era um universitário que nos contou com muito orgulho como adquiriu a barraca e o quanto admirava a profissão. A barraca foi herdada. Seu pai a havia comprado de uma senhora que o disse que nunca faltaria dinheiro para ele e sua família com aquela profissão. O rapaz cresceu ajudando o pai que pode dar muito conforto à família e também pagar seus estudos.
Apesar de ter estudado para ter outra profissão, pontuou que gostava de ser feirante e que tendo crescido neste meio, percebia que sua clientela não gostava do estereótipo de feirante que se tinha há décadas atrás: vestindo roupas sujas, e jogando no chão o que não iria ser vendido. Achava importante trazer à feira outra maneira de expor seu produto, preocupandose com a imagem da sua barraca, a higiene e as necessidades dos clientes. O tapete estava ali para que os clientes pudessem colocar suas sacolas no chão sem que sujassem dos líquidos que às vezes escorrem das barracas de peixe.
Outro trabalhador muito interessante e que destoava do padrão comum dos feirantes foi um ambulante que vendia sacolas. Senhor muito asseado, barba bem tratada, roupas limpas e sobrepostas de maneira criativa, postura elegante, calado, ereto e de poucos gestos, porém tão presente e atento aos transeuntes que nada precisava falar para que fosse notado com as sacolas que vendia. Conversamos então com Seu José, migrante de Araçatuba que morava na região do Brás dividindo um pequeno apartamento com um primo. Disse-nos que como ambulante podia juntar o suficiente para seu sustento em São Paulo, mas que estava feliz por já estar se despedindo da cidade e da feira que escolheu para ocupar seus últimos dias de trabalho antes de se aposentar.
Este primeiro contato com a feira da Rua Sampson foi surpreendente, pois suscitaram idéias de correlação entre o entorno, os produtos comercializados na região e como seu público,
seja ele das lojas de tecidos, seja ele os feirantes e seus clientes co- habitam esses espaços abrigados por um evento efêmero como a feira.