Maria Clara de Sá
Pesquisadora, dançarina, artista educadora de dança e instrutora do método pilates. Bacharel e licenciada em dança pela Universidade Anhembi Morumbi (2014) e bacharel em ciências jurídicas pela Puc – Campinas (2007), advogada (OAB 279620/SP). Formada em nível técnico de dança pelo Conservatório Carlos Gomes Campinas (DRT 020.986, 2003) e Conservatorio Profesional de Danza em Múrcia, na Espanha (2002). Certificada no método pilates pelo CGPA Pilates (2013) e investigadora de metodologias de ensino que atrelam princípios das abordagens somáticas às práticas de ensino de dança para público diverso (adultos, adolescentes, terceira idade, crianças). Como artista educadora, ministrou aulas no Conservatório Carlos Gomes em Campinas, ofereceu oficinas de dança na Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo e estagiou na Escola Municipal de Iniciação Artística (Emia/SP) e Escola de Dança de São Paulo. Atualmente oferece instruções de pilates no estúdio CGPA Pilates Itaim/SP, ministra oficinas de dança para crianças e desenvolve pesquisas na linguagem da dança cênica contemporânea, integrando a Cia 13 de Dança. email: mcla_sa@hotmail.com
Maria Clara de Sá
“Árvore-casa: quintal do brincar-dançar in natura”
Diário de Sítio
Primeiro mês – novembro /dezembro 2014
Parque da Água Branca
Avenida Francisco Matarazzo, 455 – Perdizes
São Paulo – SP
05015-000
Fonte: googlemaps
Fonte: karlacunha.com.br
– Anseios e devaneios
“A dança em permanente estar!”.
Foi a partir desta afirmação e convicção, que por vezes ainda tomo como indagação e que me move como artista e pessoa nos últimos tempos, que pude me aproximar e interessar pela proposta e projeto de residência situ [Ações] do Núcleo Aqui Mesmo.
Acredito que as proposições de dança in situ/site-specific sejam um gênero dentro do cenário contemporâneo extremamente alinhado com as noções deste “fazer dança” mais preocupado em ocupar, relacionar e estar, de fato, presente.
A concepção da matriz da pesquisa de dança partindo do espaço de acontecimento das ações, me instiga a promover uma arte mais engajada e próxima ao fruidor-transeunte comum da metrópole, provocando-o e contextualizando-o a sensações e visões estético-poéticas da realidade, papel, ao meu ver, fundamental da arte e do artista.
Portanto, trazer a dança para a cidade, tomando-a em sua arquitetura, constituição, valores culturais e mecanismos de ocupação, na busca de subverter, enfatizar ou propor novas formas de ação e situ [Ação], com o escopo da arte e poesia, é algo que me motiva e me impulsiona a este “permanente estar em dança”.
– O sítio: escolhas e contextos
A contradição urbanística do concreto e arborizado, bem como o encantamento vindo da infância pela ocupação de lugares verdes e pela simplicidade e deslocamento de tempo-espaço de parques, hortos, praças e jardins, me fez encontrar neste sítio, o contexto ideal de investigação dança in situ.
Inaugurado em 1929, o parque, que funciona diariamente, das 6h às 22h, possui várias opções de acesso. A área atual é de quase 137 mil metros quadrados, pouco mais de 79 mil de área verde, 27 mil edificada e 30 mil de área pavimentada (ruas, alamedas e pátios). Não se trata de uma reserva de mata nativa, mas um parque totalmente implantado, desde a construção até a vegetação.
O número aproximado de espécies arbóreas adultas é de três mil.
Há ainda diversas espécies utilizadas para fins paisagísticos e de alimentação para animais. Hoje, o Parque recebe um público composto não apenas por moradores do entorno, como também de diversas regiões, que ali praticam atividades físicas, participam de cursos e se deliciam com a paisagem e o caráter rural que inspira a área.
A preocupação com o desenvolvimento das pesquisas agropecuárias e com o lazer – manteve-se por meio dos trabalhos desenvolvidos pelas entidades e órgãos nele instalados. Novas demandas sociais trouxeram outras atividades, como programas com a terceira idade e portadores de deficiências, educação para uso sustentável dos recursos naturais, dentre outros Em 1996, o Parque foi tombado como bem cultural, histórico, arquitetônico, turístico, tecnológico e paisagístico pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat). Em 2004 foi tombado também pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – CONPRESP.
Os prédios em estilo normando, projetados por Mário Whately, e os vitrais do portal da entrada estilo art decó, foram desenhados por Antonio Gomide e datados de 1935 e são atrativos à parte. (informações retiradas do site: http://parqueaguabranca.sp.gov.br/o-parque/)
Fonte: http://www.itdesapego.com/wp-content/uploads/2013/11/agua-branca-park-940-wplok.jpg
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-lbudE8qvOzY/T5SvBssXRiI/AAAAAAAAAAk/y_Nb6kxEnHk/s1600/100_0445.JPG
Música: ”Parque da Água Branca”
Esse Bosque tão amigo
Pedaço de São Paulo antigo
Na saída para o interior
É um pouco de poesia
Na luta do dia a dia
Em busca de paz e calor
Em meio a tanta beleza
As cores da natureza
E o canto livre dos pardais
Jovens casais de namorados
Arriscam carinhos ousados
Na sombra dos pinherais
No Parque da Água Branca
A esperança que a gente traz
Na flor que não se arranca
Na árvore mansa, que se deixou em paz
Entre as lembranças que trago
Os chorões à beira do lago
O pombal, o campo, o jardim
Eu lendo o jornal na calçada
E o riso da criançada
Brincando ali perto de mim
Mas, um dia de sol quente
Olhando os prédios enfrente
E a cidade doida a crescer
Pensei na calma de outrora
Nessa loucura de agora
Um dia como há de ser?
No Parque da Água Branca
A esperança que a gente traz
Na flor que não se arranca
Na árvore mansa, que se deixou em paz
Paulo Artur Mendes Pupo Nogueira 08/10/1927 – 02/08/2003
– Inspir[Ações]
Pensar e sentir São Paulo muito além de sua imagem estigmatizada de “selva de pedras”. Encontrar e reencontrar um possível sentido da cidade – do urbano – em um nicho cujo tempo se dá de forma mais dilatada e onde as pessoas se encontram umas com as outras, consigo mesmas e abrem espaço, nem que seja no simples ato de passagem, de respirar e viver as cores da natureza, em meio ao acolhimento verde, colorido, sonoro e simples da vida no parque.
Bem ali. Parque Doutor Fernando Costa – hoje, Parque da Água Branca. Acolhida. Recebida. Disposta a visitar, frequentar e transformar um sítio que, como diz a canção, já é “um pouco de poesia, na luta do dia a dia, em busca de paz e calor”.
Entre a forte presença de majestosas e incontáveis espécies de flora, de aves cantarolantes e passantes, da água brotando de bicas e fontes, da luz solar que entremeia passagens e sombras, pude ir me envolvendo por este recanto verde no meio da cidade, onde o riso gostoso das crianças, os animados bate-papos de amigos, a vida da fauna e tempo esgarçado, eram disseminados pela dinâmica quase sempre inusitada de pessoas que, assim como eu, buscavam identificar-se em ações e acessos àquele contexto.
Observei e ocupei cada espaço do parque, em diferentes dias e horários, de forma a captar um pouco de suas singularidades e me permitindo ao arrebatamento.
Eis que ele veio. Prontamente.
Nas palavras da colega residente, Livia Rios, “existe aquele ambiente que parece nos escolher, e somos convocados a estar nele, por motivos conscientes e inconscientes”.
Como já disse anteriormente, no meu caso, a memória de infância, desta vez pela coleção de sementes e admiração e amor por um pai agrônomo, me levaram ao puro encantamento pela figueira exuberante, encostada a lagoinha com fonte e ao parque infantil. Contemplá-la e o que ocorria em seu entorno me fizeram sonhar e desejar propor algumas possibilidades de interação corpo-espaço-tempo ali.
Figueira-brava (ordem: Rosales, família: Moraceae, gênero: Ficus)
Arredores e cercanias
– Experiment[Ações]
Antes mesmo de testar quaisquer ações/interações naquele habitat, me permiti namorar a figueira, a qual, ou melhor dizendo, a quem pude chamar de Árvore-Casa. “A árvore é um ninho desde que um grande sonhador nela se esconda” [1].
Logo de cara, percebi que sua localização naquele espaço do parque tornava o ambiente à volta um grande quintal de encontros, brincadeiras, descanso e práticas corporais. Sempre que chegava ali, sentia o desejo imenso de estar próxima a ela, me instalando, relacionando, compondo com suas formas, nichos e propriedades naturais (raízes, galhos, tronco, folhas caídas).
Fonte: http://wwwtanianavarroswain.com.br
Por mais que as pessoas, frequentadores ou passantes muitas vezes não interagissem propriamente com a Árvore-Casa, sentiam naquele sítio, tal como eu, um bem estar de acolhimento e liberdade de ação, conforme, inclusive, puderam me narrar.
– Gosto do barulho da água, pássaros e ventinho no rosto.
– Aqui os brinquedos são mais naturais.
– Posso correr a vontade.
– Trago os meus filhos, mas também me distraio.
Como primeira camada de exploração, decidi habitar e me relacionar com a espécie arborística que tanto me atraia, e corporalmente testei algumas propostas as quais chamei de “Árvore em pulsar: rede relacional” e que consistiram em:
- “lar de contemplação”: integração do corpo à árvore como forma de emoldurá-lo e às vezes camuflá-lo nela;
- “apoios de entrelaçamento em torno do tronco da árvore”: improvisação a partir de movimentos translativos e de contra-peso do corpo em relação ao tronco da árvore, incluindo pausas ativas);
- “raízes corporais”: proposta de trazer o corpo como uma continuidade das raízes da árvore, enfatizando o uso das extremidades;
- “giros e espirais orgânicos”: expulsão do corpo em contato com a árvore, como um fruto quando dela se desapega.
As propostas foram se desdobando em várias etapas e episódios de acontecimento que ocorriam nem todos de uma só vez e ganharam mais potência e dispositivos com o passar do tempo.
O feedback de passantes e frequentadores ocorreu algumas vezes (O que a moça está fazendo na árvore? Já li a respeito de como os orientais abraçam as árvores. Que coisa doida! Legal! Nunca pensei que daria pra fazer isso com a árvore), mas a dificuldade de percepção e compreensão dos fenômenos produzidos no entorno, residiu no fato de eu estar sozinha no sítio, na maioria das vezes.
Numa segunda camada de investigação/ação e após o intercâmbio de sensações e ideias com a colega residente, Livia Rios, vizinha de cercanias, prossegui na ideia da Árvore-Casa partindo para a ocupação do parquinho infantil nela apegado, uma vez que ele se apresentava como um quintal de possibilidades e uma interessante ferramenta de estar in (contato).
E estive por várias vezes.
Ocupando e re-significando o brincar-dançar nos brinquedos já formatados para serem utilizados de determinadas maneiras pelas crianças. Foram experiências preciosas junto aos pequenos, na medida em que o acesso relacional das proposições de dança in situ, site specific emergiram com força em minha investigação e anseio artístico de proposições.
Como é sentir o chão daquele espaço estando descalço?
O toque das folhas secas, galhos e pedras incomodam ou nos libertam?
Como criar possibilidades de ocupação do corpo em brinquedos previamente formatados?
O que o sítio nos oferece além do que os olhos vêem?
Assim, fui trazendo a atenção do brincar-dançar para a Árvore-casa nas últimas visitas e vi neste ato, uma possibilidade de proposição bem interessante, na medida em que percebi que ressignificar sua presença majestosa e por vezes apenas “emolduradora” do quintal (parque infantil e arredores), como partícipe e protagonista da interação corpo-espaço-tempo, um mote poético carregado de memórias e boas surpresas.
Por que não ocupar, instalar e dialogar, corpo-tempo-espaço na própria Árvore-casa?
Inquiet[Ações]
Ao término desta etapa inaugural de pesquisa e que a todo tempo tem sido mediada pelas integrantes do Núcleo Aqui Mesmo, registramos com fotos a integração das duas camadas de ação acima descritas e, a partir da orientação e reflexão conjunta de nossa equipe, pude pré-definir os caminhos para os quais pretendo seguir daqui em diante:
Como então tornar a Árvore-Casa um sítio de ocupação dos frequentadores/habitantes do parque, assim como já é para mim?
Haveria um anseio relacional de exclusividade para o público infantil?
Se sim ou não, quais os mecanismos de atração desses olhares para o contato espaço-temporal com a árvore propriamente dita, já que percebo ser e estar nela, a grande proposição dançante capaz de transformar e agir sobre este sítio?
Restam aí as ações e divagações dessa proposição em formação.
Cidade no parque.
Visando o corpo dançante como parte compositiva e componente deste espaço urbano.
“A dança em permanente estar!”.
Nas palavras de Ana Terra[2], promover a “arte relacional” ou “dança contextual” (ênfase nas relações entre performer/dançarino, público-transeunte e espaço-tempo) até mesmo como forma de educação estética da coletividade.
“O real dever do artista é salvar o sonho” [3] e a cidade está de portas abertas para que o façamos!
[1] BACHERLARD, apud. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2008. TVARDOVSKAS, Luana Saturnino. Autobiografia nas artes visuais: feminismos e reconfigurações da intimidade”, in wwwtanianavarroswain.com.br, A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
[2] Socióloga formada pela FFLECH – USP, Mestre em Artes pelo IA – UNICAMP, e Doutora pela Faculdade de Educação da UNICAMP. Atuando como dançarina-coreógrafa desde 1987, desenvolveu trabalhos de criação coreográfica, preparação corporal e direção cênica. Atualmente dedica-se artisticamente ao desenvolvimento de cursos e oficinas do projeto “Por que Lygia Clark? (tema de seu doutoramento) com estudantes e profissionais da dança, além de colaborar com grupos e companhias quanto à orientação de pesquisa de dança.
[3] Autoria incerta. REALIZAÇÃO: Rede Mundial de Artistas em Aliança Instituto Polis; Coordenação Editorial Hamilton Faria e Pedro Garcia Carta de Responsabilidades Humanas Ísis de Palma; Fundação para a Progresso Humano (França) Gustavo Marin; APOIO Fondation Charles-Lèopold Mayer pour le Progrès de l´Homme . FPH (Paris).
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