Proposições in-situ/site-specific norteiam as propostas de criação em dança do Núcleo Aqui Mesmo. Neste site pretendemos colocar em perspectiva este tema alimentando e estimulando reflexões em torno de criações in situ. Nesta perspectiva, à medida em que nossos projetos tomam corpo, pretendemos enriquecer esta seção compartilhando textos, artigos, links e projetos que se dedicam à esta prática da arte in situ.
Site-specific / in situ.
Por Carmen Morais
O termo site-specific (sítio específico) ou arte in situ é um termo proveniente das artes plásticas e que , segundo Daniel Buren, artista precursor e teórico da arte in situ na França nos anos 70, faz menção a “obras concebidas para um lugar preciso e que se articulam particularmente com, à causa de, por e em relação a um entorno preciso”[1].
In situ, que em latim significa no lugar’ designa criações artísticas que se articulam e se compõem ao redor dos diferentes elementos presentes no espaço/lugar/sítio onde acontece. São criações que são indissociáveis de seu lugar de acolhimento e este último se torna um dos elementos principais de elaboração da criação.
Criações site-specific / in situ emergiram sobretudo nos anos 60 e 70 onde uma constelação[2] de artistas encontraram a autenticidade de suas práticas e criações através do confronto com a dimensão global do espaço e da justaposição de linguagens artísticas. Esta abertura da arte em direção a novas zonas de experimentação, culminou também na ocupação de espaços híbridos e muitas vezes resultantes de projetos coletivos e colaborativos entre artistas de diferentes linguagens. Os desdobramentos destas experimentações, que se estendem à atualidade, são, para muitos artistas, um mote de pesquisa e de experimentação estética. Projetos site-specific são praticados em grande escala, por diferentes artistas e em diferentes lugares do mundo.
No que diz respeito a dança, nos anos 60 e 70, com as experimentações da coreógrafa americana Anna Halprin e dos artistas da Judson Dance Theater[3] podemos notar um investimento da dança à outros espaços para além do espaço convencional (palco italiano). É, sobretudo com o surgimento da dança dita pós- moderna[4] que a dança vai contestar o espaço cênico tradicional e inaugurar espaços que até então não eram espaços destinados à dança como por exemplo: fachadas e coberturas de prédios, muros e paredes, estacionamentos, usinas, parques, piscinas etc. A partir destas experimentações podemos notar a prática in situ/site specific ganhar corpo também na dança.
Roof Piece (1971) de Trisha Brown. Uma dezena de dançarinos são posicionados individualmente sobre as coberturas de prédios do bairro do Soho em Nova York.
Experiments in the Environment (1950) de Anna Halprin
Intervenção realizada num hangar do aeroporto de São Francisco.
No prolongamento destas experiências, podemos observar outros coreógrafos não só americanos mas também europeus que investem suas pesquisas coreográficas em projetos in situ.
Na França por exemplo , no início dos anos 80 Odile Duboc cria duas peças para a cidade Aix-en-Provence: Vols d’Oiseaux (1981) onde dezenas de dançarinos realizam travessias numa praça de Aix e Entr’actes(1983) realizada em Aix e em Paris. Aix cria um festival consagrado à dança fora do espaço convencional; Danse à Aix.
Odile Duboc – Vols d’Oiseaux (1981)
Nos anos 90, há um boom de artistas que se apropriam tanto de espaços públicos da cidade (praças, parques, ruas) como espaços privados (apartamentos, hotéis, lofts) ou ainda locais marginalizados ( edifícios abandonados, usinas desativadas).
O coreógrafo americano Mark Tompkins cria Plaque Tournante (1990-1992) este trabalho foi apresentado em praças e parques de diversas cidades européias confrontando à dança à geografia.
A coreógrafa francesa Catherine Contour cria a peça Chambre (1995-1997) que acontece num quarto de hotel modificando o uso normativo deste espaço e acentuando a proximidade dos dançarinos com os espectadores (ambos no quarto de um hotel para que a peça aconteça)
Chambre de Catherine Contour
Atualmente, proposições de dança site-specific estão emergindo cada vez mais no contexto da criação e produção de dança contemporânea não só no Brasil, mas também em outros países da América Latina, Europa e EUA. Assim, temos atualmente diversos festivais[5] que se destinam a estimular e difundir a criação de dança site-specific e/ou em paisagens urbanas.
Como artistas da dança temos um profundo interesse em estudar minuciosamente quais questões de composição e criação em dança contemporânea são intrínsecas a este investimento da dança fora do espaço convencional (palco) e, sobretudo inserida no espaço urbano, em uma proposta site-specific.
Primeiramente, nos parece que a dança, ao sair de seu espaço original de representação (palco italiano) e ao se inscrever em espaços outros como o espaço urbano, lugar comum do cotidiano, se confronta com a questão da ‘espacialidade’. Não tendo um espaço ‘dado’, ‘definido’, como o palco, cabe ao artista, selecionar uma porção do espaço e desenvolver uma percepção espacial aguçada para assim poder realizar uma proposição coreográfica.
No entanto, a dança fora do espaço convencional, não toca apenas a questão da espacialidade. Vemos que a relação com o público, a relação com o contexto histórico, social e político dos sítios que acolhem uma proposição artística são elementos seriamente considerados por alguns coreógrafos e alguns deles são inseridos como componentes fundamentais para a escritura da partitura coreográfica.
São estas questões que norteiam a pesquisa do Núcleo Aqui Mesmo. Pretendemos realizar projetos de criação e de pesquisa em dança site-specific abordando como a dança lê, observa e se inscreve no contexto urbano. Dentro da complexidade do investimento da dança à um sítio específico nos interessamos em destacar questões como: O que é particular da dança neste investimento à projetos site-specific? Como a dança investe sua relação com o lugar à partir de uma prática de corpo singular? Como se estabelece a relação com o público? O que é ‘habitar’ em dança?
[1] Daniel BUREN, À force de descendre dans la rue, l’art peut-il enfin y monter? Editora : Dits et Contredits, Paris, 1998.p.79
[2] Entre os diversos artistas podemos citar obras de: Gordon Matta-Clark, grupo Fluxus, Daniel Buren, Christo e Jean –Claude, Hélio Oiticica etc.
[3] Sobre este movimento ver: STUART Izabel, “A Experiência do Judson Danse Theater”. In: Lições de Dança 1. UniverCidade, Rio de Janeiro: 1999. p. 191-204
[4] Para aprofundar sobre dança pós moderna ver notadamente: Banes Sally, Terpsichore en baskets, post-modern dance, Éditions Chiron, Paris, 2002
[5]A este propósito podemos destacar a rede de festivais Ciudades que Danzam (CQD) que reúne uma série de festivais de diferentes partes do mundo que se dedicam a produção e difusão de dança em paisagens urbanas. Mais informações disponíveis em: www.cqd.info